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_A Era das Carreiras Fluidas.

17.03.19

O ano era 2007. A cidade Porto Alegre/RS. O evento, promovido pela Resolution Inteligência Humana, tratava de colocar no divã um dos subsistemas de RH que mais geram desgaste e polêmica nos corredores organizacionais: a “avaliação de desempenho”.

Foi neste encontro, recheado por especialistas em gestão de pessoas, que trouxemos para o debate: por que o processo de avaliação fracassa nas empresas?

Hipóteses diversas foram aprofundadas, algumas delas vinculadas ao próprio DNA da avaliação nas organizações, que tem origem na metade do século passado e que foi criada para medir os piores funcionários, quando em casos de necessidades de demissão. Outras teorias estavam vinculadas ao fato das nossas lideranças terem, em média, baixo autoconhecimento: e quando uma pessoa não conhece o seu funcionamento na plenitude, dificilmente irá conseguir entender a dinâmica do seu relacionamento com as demais.

Estes sinais de fadiga que o processo de avaliação já demonstrava, desde longa data, foram se amplificando à medida em que o mundo foi se transformando e, especialmente, quando grandes companhias globais começaram a abolir a rotulagem dos funcionários e a desistir dos seus métodos e políticas atreladas ao tema. Talvez o exemplo mais marcante deste período tenha sido o da General Electric que, no início da atual década, ressignificou drasticamente o seu modelo de avaliação de desempenho. Logo ela, a GE, que serviu de modelo e de benchmark para milhares de organizações ao redor do planeta por ter fomentado a partir dos anos 80 a prática das avaliações, das famosas curvas forçadas de desempenho e da matriz 9box. Essas práticas tinham por objetivo tornar os resultados das avaliações mais equilibrados internamente na organização, com a pretensão de tornar todo o processo mais justo, aos olhos de atores envolvidos. Mas, ao longo dos anos, não foi isso que se percebeu, visto que o sentimento de injustiça acabou sendo denunciado nas pesquisas de clima e engajamento.

Para tentar acabar de vez com este sofrimento organizacional, afinal a avaliação era uma sistemática que consumia muita energia interna (do RH, gestores e colaboradores) e que trazia pouco valor ao resultado dos negócios, muitas empresas começaram a não dar mais pontuação fixa, ou um lugar fixo na curva de performance. Em vez disso, optaram em buscar um caminho que pudesse dar mais ênfase nas interações regulares e de qualidade entre gestores e suas equipes, com foco no crescimento e desenvolvimento. Do ponto de vista de quem estudou a fundo este assunto, focar as pessoas na tentativa de melhoria, em vez de fazê-las provar algo, ativa a “mentalidade do crescimento”. Muitos estudos mostram que dar-lhes condição de exercitar essa mentalidade do crescimento (em vez da mentalidade fixa) tem impacto significativo em quão bem elas traçam metas, assimilam e processam feedback alheio, entre outros fatores. Assim, remover tais sistemas de pontuação não só reduziu a resposta à ameaça que as pessoas sentiam, mas, também, fez com que voltassem seu foco ao crescimento e à aprendizagem, imprescindíveis para a adaptação ao ambiente empresarial atual.

As empresas estão mudando porque querem que seus gestores falem diariamente com suas equipes sobre desenvolvimento e crescimento, não apenas uma ou duas vezes por ano. A geração Millenium almeja o desenvolvimento, o senso de significado e de crescimento de carreira. As companhias que conseguiram abolir os paradigmas clássicos da avaliação de desempenho (ex.: sistemas de pontuação e ciclos anuais) afirmaram que remover tais sistemas de mensuração aumentou a frequência de conversas entre gestores e suas equipes. Ao mesmo tempo, acreditam que precisam definir melhor o que consideram “conversas de qualidade”, dando aos gestores estruturas claras e ferramentas úteis para essas conversas, e não apenas um treinamento genérico de feedback.

A palavra de ordem passa a ser, então, o desenvolvimento e não mais a medição do desempenho. Viemos propondo, desde a década passada, trocar a nomenclatura deste subsistema de “Avaliação de Desempenho” para “Gestão da Performance”, para que a cultura deste processo organizacional possa migrar:

De: Longo >> Para: Instantâneo
De: Burocrático >> Para: Fluido
De: Estático >> Para: Orgânico

E, por mais lógica e alinhada ao contexto atual do mundo dos negócios que possa parecer esta abordagem, ela não é tão simples assim de ser implementada, visto que o mindset entranhado, inclusive na área de gestão de pessoas, leva muito mais para o controle do que para o resultado efetivo das ações.

Num ambiente mais fluido e mais orgânico pode parecer que os processos de RH estarão menos controlados, visto que um ciclo rígido de avaliação e um cronograma planejado para levantamento das necessidades de treinamento e desenvolvimento (o clássico LNTD) tornam o RH mais “dono do processo”, pois é ele que tem as rédeas e o comando do mesmo.

Num contexto de fluidez de carreira e de performance, líderes e colaboradores assumem maior protagonismo, não se tornando tão dependentes de ferramentas e de fluxos pré-determinados pelo RH. Aqui o feedback pode ser dado à medida que as entregas e os fatos acontecem, sem a necessidade de preenchimento de formulários ou reuniões de grande formalidade.

Com a evolução dos modelos de negócios e o surgimento de empresas desta nova era é quase impossível delimitar onde começa e onde acaba uma função. Pararelo a isso, o corte de camadas hierárquicas deixou as estruturas mais planas e as pessoas passaram a ficar mais tempo na mesma posição. O conceito de carreiras fluidas pode também atender à esta demanda que virá em substituição do conceito único de crescimento vertical. A fluidez de carreira poderá dar uma vida mais longa ao crescimento horizontal, reconhecendo profissionais que se envolvem em projetos paralelos, além de seus afazeres cotidianos.

A ideia é que, em vez de cargos e atribuições pela hierarquia, as organizações possam oferecer experiências e desenvolvimento que melhorem a empregabilidade do profissional. Assim, munido de capacidade, conhecimento e conquistas, ele se tornaria mais valioso no mercado de trabalho. Para os indivíduos, isso significa maior segurança de se manter na ativa. Para as empresas, gera uma força de trabalho de melhor qualidade.

Na prática, na era das carreiras fluidas, a pessoa seria avisada que, a partir do seu onboarding e integração ao negócio, passaria por diversas experiências, se envolveria com pessoas e setores variados, entraria e sairia de projetos. Às vezes, entregaria resultados acima da média, outras, apenas cumpriria o necessário. E assim suscetivamente, até que o dia em que ele já teria vivido o suficiente e sua contribuição para aquela organização não fosse mais necessária.

É uma relação mais madura entre empresas e empregados. Os líderes de recursos humanos só precisam tomar cuidado para, no meio desse caminho, não cometer injustiças, como, por exemplo: chamar de experiência o que é acúmulo de funções.

Se nos dermos conta desta timeline, podemos entender que já estamos na era das carreiras fluidas. O mundo volátil e ambíguo e a padecimento da avaliação clássica de desempenho aceleraram esta transformação. A era do controle e dos processos burocráticos em RH acabou. O mundo exponencial nos empurrou para a mudança. Novos ciclos para as coisas, muito mais curtos, já fazem parte da nossa rotina. Tarefas repetitivas, cansativas e de pouco valor saem da pauta.

As pessoas querem falar mais instantaneamente, receber feedbacks ontime, pactuar combinações de curto prazo. Avaliar pessoas faz parte do passado. Avaliar é burocrático, ameaçador e pouco inspirador. As pessoas querem falar sobre propósito e saber que terão apoio para se desenvolverem. Elas querem papos diretos sobre suas entregas e suas hard e soft skills.

A conversa precisa ser esta. Os processos precisam ser assim. Os softwares que se propõem a gerenciar a performance precisam ser assim. Adeus ao dia internacional da avaliação. Adeus aos planos de ações e metas pouco monitoradas ao longo do ano. Acabou a fase do RH passar a maior parte do tempo importando dados e construindo cadastros. O modelo agora precisa ser ongoing e fluido. As carreiras são fluidas e precisamos facilitar as conversas e os acordos entre as pessoas. O contexto agora é criar experiências que melhorem a empregabilidade e que tragam resultados concretos às empresas.

Para que a gestão da performance não fique postergada e sem propósito, temos a convicção de que o caminho será este, associado, obviamente, à uma boa gestão de clima e engajamento, fundamentos básicos para que a inspiração das pessoas esteja presente.

Tornar a gestão da performance menos rígida, sem um cronograma fixo, com a liberdade, por exemplo, das pessoas publicarem suas conquistas e anseios relacionados à carreira em tempo real, e não apenas no “dia internacional da avaliação”, são ótimos insights que ajudarão nesta necessária ressignificação. Prover tecnologia ao processo (preferencialmente móvel), gamificar e dar liberdade para as pessoas também poderem opinar, a qualquer momento, sobre o desempenho de colegas e líderes, são ingredientes que darão mais leveza à jornada dos atores envolvidos no processo de performance e carreira.

No fundo, o que está por trás desta “revolução” é que, no lugar do feedback formal (semestral ou anual), os times de trabalho poderão manter mais diálogo sobre carreira ao longo do exercício. Este formato, menos rígido e formal, entendido como Ongoing Performance Management (modelo contínuo de gerenciamento da performance), reforçará a tese de que acompanhar o funcionário, fornecer a ele elogios quando estiver acertando e poder corrigir os rumos quando assim for necessário, deve ser um comportamento a ser exercitado durante todo o ano.

E mais diálogo interessa a qualquer modelo de gestão da performance, pois irá remeter os envolvidos a uma conversa genuína sobre carreira, e não a uma correria para entregar toda aquela papelada da burocracia da medição de desempenho dentro do prazo!

Mais conversas de carreira e menos julgamentos avaliativos ajudam a inspirar as pessoas para que explorem seu potencial. A liderança, neste contexto, precisa saber fazer perguntas, apoiar, estimular, provocar, proporcionar oportunidades, contribuir, acompanhar, ampliar o estado de percepção e tomada de consciência. Deve agir como coach, para que o seu colaborador seja o protagonista da sua própria carreira. Não é papel do gestor no desenvolvimento da carreira de seus colaboradores responsabilizar-se, decidir, agir por ele ou ter todas as respostas. Todavia, para que isso se viabilize e gere efetivos resultados, é imprescindível que este líder desenvolva e pratique a escuta ativa, o que, diga-se de passagem, não é uma soft skill facilmente encontrada por aí.

Está claro, portanto, que as empresas seguirão tendo a necessidade de elevar as competências das pessoas (e/ou das equipes) de um patamar para outro. Se irão fazer isso através de melhorias incrementais ou através de saltos quânticos no processo de performance, desconstruindo ou não tudo que se fez até hoje e migrando para um formato integralmente inovador, vai depender do modelo de negócio e da cultura reinante naquela organização. Ah, óbvio,… e também da maturidade das estruturas e do perfil do RH, que terão que remover os obstáculos da resistência e rever os paradigmas instalados.

O fato é que já estamos, definitivamente, na era das carreiras fluidas!

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